terça-feira, 6 de outubro de 2009

Elvira e o mundo

E ela não sabe se é ou se não é,
se sorri ou se chora,
se grita ou se cala;
fica tacitamente a observar
as cores que vêm e se insinuam
em meandros exóticos,
tal qual sonhos caóticos.
Apenas seus olhos a enxergar.

Ela, que delira;
ela, que matuta,
indaga-se sobre a profunda
e incognoscível significação do existir.
Não sabe no que acredita,
se na noite, se no dia.
Apenas a dúvida daquilo que está por vir.

Seu estado de embriaguez
inala todo o peso do mundo,
mesmo que etilicamente ou corajosamente.
Ela queria carregá-lo sobre os ombros.
queria ser ele por si,
em si.

Fecha os olhos e vê o escuro,
o brilho do nada que ofusca e
caminha com o estigma da lágrima.
Pensamentos soltos, simples
como o ar.

Olha para o nada e vê o nada
assusta-se com sua vastidão.
Fita. Continua a observar. Sente.
... até alguém re-acordá-la.

Sua memória fraca a faz esquecer
o que não lhe interessa,
como o beijo sem língua, ou o sexo sem alma.

Coragem é o que a falta.
Querer tanto o simples complica-a,

Faz-se única enquanto tudo vira um só.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Mosaico

Peça por peça, te concebo,
purgando mentiras e vaidades banais.
Peça por peça, te moldo,
como o cuidado que tive de meus pais.

Porque a imagem que precede o tempo,
porque o tempo que precede o medo
assumem o risco da que vier primeiro,
mesmo que as últimas sejam mortais.

Pedra, fio, gota, mágoa, meio,
fim, máscara, sangue, alquimia,
desvario, gozo, desejo, bruxaria,
eu, ela, alma, medo ou devaneio
são as tesselas com que posso atinar.

Apesar dos altos e baixos,
desordens ou vácuos,
todos os vincos podem ser restaurados
e até alguns desarranjos rearranjados.

Contudo algumas peças são de vidro e
cada uma representa partes de nossa alma.
[Se cautela nós tivermos
e a essência mantivermos,
essa orquestra de sensações exime-se do risco e
enlaça tu’alma em minh’alma]

O amor é um mosaico,
lindo enquanto são,
torpe enquanto não-são.
Nem vermelho, nem rosa,
nem lilás.
Pois digo:
     - É colorido!
 [enquanto não desbota]

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Compasso dos ventos

E vens a mim,
como num compasso melódico,
como um solfejo afinado
sob a luz que não clareia
sob os ventos de uma quimera.


Onde encontro
aquela folha emotiva que, quando quer,
envolve-se em róseo ou anil,
ao compasso não da clave de sol,
mas de Picasso?


O outono, aqueles ventos de outono,
que nos supõem calafrios
[por mais que sejam arredios]
tocam-nos e,
janela adentro, nas dissonantes manhãs,
em plena incerteza do despertar,
tentam um frágil diálogo sobre os pilares de sal
do nosso caso de amor.

    Vens                         Brisa
           assim,                     essa
                 tocas                     massageia
           minha                     meu
    face,                         peito
fecho                      sem
    meus                     noção
           olhos,                    sobre
    penso                       a profundidade
em                           cosmológica
    teus                            do
           olhos.                     existir.

Harmonias maiores,
agora ficam menores e
me fazem despertar
desse delírio fumegante e
metafisicamente tangível.


Olho para o céu,
fito o sol encoberto
pela copa arbústea deste cajueiro
e indago a ti, sem rima
e sem tom:
- Falaste?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Contos Urbanos [1]

Aos 15 anos, Júlia encontrava-se no auge de sua adolescência, sua espontaneidade e excentricidade poderiam fazer inveja a qualquer outra garota da mesma idade. Era do tipo de garota que, todos os dias, se arrumava cuidadosa e impecavelmente para o dia cuja rotina poderia, provavelmente, causar náusea em quem a suportasse pouco mais de uma semana. Conturbada em violência familiar, problemas e complexos pessoais, alguns, pode-se dizer, típicos de sua fase, penava sobre sua existência. Talvez fosse esse o ponto crucial, motivo maior para tamanha humildade e afabilidade para com os outros.

A menina sabia que sua realidade não serviria de modelo sequer para uma crônica amadora e tinha plena consciência do quão desconfortável era presenciar certas coisas, o que a fazia tentar levar aos outros o que mais a fazia falta, o afeto e a compaixão.

É claro que a pobre garota ainda não havia amadurecido o suficiente para ter noção da complexidade da sua vida, nem tampouco do desencadeamento ancestral que levou, ou poderia ter levado, às situações social, econômica e psicológica sua e de sua família.

Aos 16 anos, presenciava constantes brigas entre seus pais, muitas das quais terminavam numa delegacia ou num hospital.

Certa vez acordou com gritos horripilantes e desesperadores. Levantou-se correndo para descobrir o que se passava, até que descobriu que seu pai, chegando embriagado de mais uma noitada, tinha acabado de desferir um golpe de foice na cabeça de sua mãe, a qual foi imediatamente levada a um hospital, sangrando. Felizmente, todos sobreviveram ao episódio.

E assim, cansada de ser a usual testemunha-de-cada-dia para os constantes e inúmeros casos policiais dentro de seu próprio lar, Júlia percebe não fazer mais sentido continuar como sendo aquele ser fantasmagórico vagando aos cantos e arredores da casa, como um sopro de vento, perdido, que só entrou por um mero acaso.

Juntou algumas trouxas de roupa e saiu como uma retirante sertaneja que deixa sua terra natal em busca do incerto, da terra prometida, dos sonhos dissipados de uma mente emotiva, das esperanças moídas em um passado que já não existe mais.

Seu destino, escrito ou não, a levou para a cidade grande − Recife −, terra de encontros e desencontros, de tantas amarguras e emoções, onde os vilarejos do Centro e Casa Amarela se entrecruzam em histórias e mitos, tantos, sobre o sangue derramado de tanta gente unida em pró de causas comunais, onde sobre o cais ainda derramam as lágrimas de um adeus, os soluços de um amor.

O fascínio, gerado pela grandeza e agitação daquele grande centro urbano, não deixou de se impor como o mais novo sentimento, no fundo do jovem coração titubeante.

Após várias tentativas, passando por diversas casas como babá, faxineira, lavadeira, cozinheira, passadeira e tantas demais profissões lhe era possível exercer, encontrou uma casa, cuja primeira impressão foi bastante agradável. Seus moradores eram uma mulher por volta dos “30 e poucos anos” e seu filho, adolescente. A adaptação à nova rotina e aos novos patrões foi surpreendentemente fácil e rápida. Sua relação com os mesmos era admiravelmente espontânea, o que lhe dava bastante segurança e conforto, visto que a simplicidade podia ser evidenciada nos mais insignificantes gestos e objetos. Sua estadia tornou-se tão fluente e cômoda que, após alguns meses, Júlia já considerava sua patroa como uma segunda mãe e o filho como o irmão que nunca teve.

Porém, engana-se quem pensar que, com a existência de tal fraternidade, seu trabalho tornava-se menos árduo ou mais lucrativo. Afinal, a lógica do sistema em que vivia não deixaria ser tão diferente - menos dinheiro, mais suor.

Sua patroa era uma mulher muito trabalhadora, com raízes pobres, provindas de uma cidadezinha do interior, na qual o sol quente e o suor do trabalho duro marcavam sangue e alma de seus habitantes. Ela não era a exceção.

Apesar da dificuldade para manter certos costumes, Júlia fazia questão de manter um deles: o de estar sempre maquiada e cheirando a sua colônia, Cravos do Campo. Ainda que tivesse de tomar banho a cada meia-hora para tirar o cheiro de suor e água-sanitária que lhe impregnavam as entranhas a cada cômodo que limpava, não abria mão de estar como gostava e, quem sabe até, preparada para a chegada de algum dos príncipes encantados com os quais sonhava.

Seu quotidiano era razoavelmente monótono, sem diversões ou amizades. Seus únicos passa-tempos eram a televisão, fantasias que criava em sua imaginação e as conversas que tinha com o seu adolescente-patrão.

Suas aspirações amorosas não iam muito além dos sonhos que tinha com atores de novelas da Rede Globo. As poucas exceções se resumiam em flertes que trocava com entregadores de botijões de água e gás. Ah, sem esquecer os pensamentos e sonhos eróticos que tinha envolvendo seu patrão.

Certa vez, após alguns anos na casa, Júlia consente ser hora de procurar algo novo, diferente, que pudesse levá-la a novas descobertas e emoções. Despediu-se de seus patrões e mudou-se para a casa de uma tia que residia na mesma cidade, mas em um bairro tão longe que, para lá chegar, teria que enfrentar uma viagem quase tão longa quanto à sua terra natal.

Com sua tia e marido, moravam as duas primas. Era uma família relativamente tranquila, apesar dos problemas e discussões casuais. A descontração era uma característica marcante em todos na casa, embora cada um tivesse suas peculiaridades minimamente curiosas. As duas jovens da casa tinham, freqüentemente, as tão comuns brigas de irmãs – fossem por objetos ou namorados; o pai delas costumava ser bastante brincalhão, principalmente quando estava com seus amigos para tomar a, por ele chamada, “velha e boa” cerveja gelada dos finais de semana. A mãe da família, como a maioria das mães, era bastante cuidadosa e atenciosa com suas filhas, embora tenha sido diferentemente tratada na mocidade.

Apesar de o bairro ser um pouco inóspito e hostil (mais uma favela da cidade), Júlia se adaptou muito bem aos “esquemas” do local e às pessoas da vizinhança. Não demorou muito, apareceram também alguns paqueras – dentre eles o seu futuro noivo, Makleoydes.

Aos 32 anos de idade, trabalhador, Makleoydes enfrentava dificuldades financeiras havia algum tempo, por estar desempregado. Tinha um filho e uma filha, de quatro e seis anos de idade, respectivamente, todos frutos de seu primeiro casamento.

A educação de que dispunha não o ajudava a ser mais do que um segurança ou pedreiro, apesar de fazer “bicos” em todas as áreas de serviços, desde encanador a secretário-emergencial em escritórios.

Seus problemas chegaram a uma situação crítica tal que ele não aguentou mais aquelas condições esmagadoras que via as classes dominantes imporem e decidiu entrar para o outro lado da esfera social, deixou de ser a vítima para tentar sobreviver como o bandido.

Comprou, com parte do dinheiro de uma indenização trabalhista paga pelo seu antigo emprego – o de segurança de carros-fortes − um revólver usado e passou a financiar, com aquela arma, alguns pequenos furtos. Nesse meio-tempo ocorre um imprevisto e Júlia fica grávida.

Ao descobrir sua situação, a garota percebe que precisa de um lugar estável e calmo para permanecer durante sua gestação − a casa de sua ex-patroa.
Após cerca de quatro meses, ela começa a notar atitudes estranhas por parte do seu marido. Apesar de já estar ciente das atividades ilegais, ficou horrorizada ao saber que um dos comparsas do seu companheiro havia confessado o crime e, ao mesmo tempo, o entregue, depois de ser preso em flagrante. A partir daí, seu marido começa a aparecer em quase todos os noticiários e jornais, e a ser perseguido pela própria polícia, ficando, assim, foragido.

Com marido foragido e com filho de criminoso na barriga, Júlia percebe estar numa amarga enrascada. Ama Makleoydes profundamente. Sonha e planeja suas vidas juntas. Não vê outro futuro, senão sua casa com seus filhos e seu marido, vivendo felizes para sempre, como num dos contos de fada com os quais tanto sonhou. Apesar de todo o aperreio, a garota tinha, ainda, corpo e mente a salvo da malícia, da maldade terrena, ao passo que vivia sempre no mundo das idéias platônicas, sonhando. Poderia, em certos aspectos, ser comparada com Rebeca, A Bela.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Amor?

Amor?
Pra que amar
se o amor não me ama?

Nunca soube lidar com as questões do coração,
remediáveis ou não.
Nunca tive finais felizes,
simples,
assim.

Já tentei bancar o herói
mas de romântico nada tenho.
Mesmo com todos os buquês e
poemas sem porquês,
Sinestesias em minha vida
são constantes
bipolaridades não tão distantes
de minh’alma.

Chama-me anti-romântico,
anti-herói;
Meu coração chega a ti,
por estes versos singelos,
trazendo sentimentos moídos e puros
das lembranças de um amor
que não há de voltar.

Eu tenho medo
sim!
Medo da repetição!
Medo de mim!
Medo de ti!
Medo do que pode vir a ser
essa alegria toda vez que te vejo.

A propósito, não é ele [o medo]
quem costuma nos salvar
nos momentos mais hostis?
Acho que acabei de descobrir meu herói...

Descobre-me!